domingo, 22 de fevereiro de 2009

2 - A transferência em línguas próximas: o caso do par lingüístico português-espanhol

Tendo em vista que na coleta de dados feita nesta pesquisa trabalhamos especificamente com o par lingüístico português-espanhol, cabe então refletir um pouco acerca de como esse par de línguas consideradas próximas pode repercutir sobre a performance fônica dos aprendizes e sobre o desenvolvimento de sua competência lingüística. Para isso, examinaremos a natureza da proximidade lingüística entre o português e o espanhol, e consideraremos por quê e como essas peculiaridades podem acelerar aspectos da aprendizagem e ao mesmo aumentar a intensidade da transferência em níveis prosódicos.
Do ponto de vista da didática do ensino de línguas, é lugar comum considerar que o português e o espanhol são línguas próximas, o que seria um benefício no início da aprendizagem, mas que nos estágios mais avançados tornar-se-ia uma dificuldade, segundo Ortiz Alvarez (2002). A “proximidade” e a “semelhança” que há entre as línguas contribuem, nesta perspectiva, para uma compreensão inicial que pode desinibir o aluno na etapa inicial, colocando-o como falso iniciante, no entanto, mais tarde, quando o nível de complexidade aumenta e essa “proximidade” e “semelhança” já não é tão evidente assim, a tendência é que o sujeito-aprendiz cometa erros que se não forem sinalizados e retificados poderão se tornar fossilizáveis.
Segundo Cintrão (2006), Richman afirma em seu estudo de 1965, que as duas línguas – português e espanhol- compartilham sim um número considerável de características, especialmente levando em conta o número de traços que cada uma compartilha com outras línguas romance, no entanto, dentre todos os fenômenos de similitude, o mais acentuado é o da cognação (existência de cognatos homossemânticos). Realmente, o português e o espanhol coincidem de forma significativa no que diz respeito às formas lexicais, todavia, há importantes pontos de diferença entre suas evoluções fonéticas e fonológicas, tanto no nível segmental quanto no nível suprasegmental. A elevada identidade entre as línguas é mais notável na modalidade escrita que na oral (a grafia mascara algumas das diferenças fonéticas). O resultado é que, de maneira geral, um falante de uma dessas línguas consegue entender a forma escrita da outra com relativa facilidade, enquanto que a forma oral apresenta um pouco mais de dificuldade.
Cintrão (2006) questiona ainda a proximidade lingüística do português-espanhol, perguntando-se até que ponto o fato das duas línguas terem em termos lexicais um grande percentual de palavras cognatas faz que essas línguas sejam lexicalmente próximas. Essa proximidade centrada numa concepção atomística do léxico e centrado na palavra não resiste à distribuição do léxico em unidades maiores tais como seqüências textuais, tipos de textos e tradições discursivas. Considerando esses diversos critérios de uso do léxico há usos que são divergentes em português-espanhol, a pesar da contigüidade etimológica. Basta analisá-lo do ponto de vista da freqüência e da combinatória dessas unidades no discurso, como o comprovam os estudos de Lingüística de Corpus.
Outra falsa questão relacionada ao léxico quando se trata do par lingüístico português-espanhol é a dos falsos cognatos ou falsos amigos. Para Cintrão (2006) a dicotomia falsos versus verdadeiros cognatos em espanhol e em português está fundamentada em estudos que tratam a questão da proximidade entre estas duas línguas históricas a partir de uma perspectiva geral da proximidade gráfica (e em menor medida acústica) do acervo lexical. Cintrão (2006: 168) conclui que apesar da aparente impressão de proximidade lexical, a convergência ou a divergência lexical em espanhol-português «envolve sutilezas e complexidades impossíveis de mensurar dentro da dicotomia falsos versus verdadeiros cognatos», uma vez que esta dicotomia também está fundamentada, sobretudo, a partir da imagem atomística, visual ou acústica, das unidades lexicais.
Por isso, a autora propõe para os estudos de tradução uma re-análise exemplificada da proximidade lexical deste par lingüístico na seção: Mapeando proximidades e distâncias entre o português e o espanhol. Ao fundamentar-se em variáveis de uso, e não na homogeneidade da língua enquanto sistema abstrato ou introspectivo, Cintrão (2006: 164-183) recomenda, nos casos de proximidade gráfica ou acústica entre itens lexicais em espanhol e em português, atentar,ao fato de que:

1) Há diferentes freqüências de uso entre pares de sinônimos nas duas línguas históricas (como é o caso dos pares em espanhol e português: dolencia X doença e enfermedad X enfermidade);

2) Há intersecções parciais de sentido e diferentes abrangências das intersecções parciais de sentido (como é o caso do par em espanhol e português: mismo X mesmo);


3) Há intersecções totais no nível do sistema com diferentes freqüências de seleções de registro no nível do uso (como é o caso do par em espanhol e português: vivir X viver);

4) Há diferenças de conotações (como é o caso do par em espanhol e português: empleado X empregado);


5) Há circunscrição a diferentes domínios discursivos (como é o caso do par em espanhol e português: X tu, no que diz respeito às diferentes conotações regionais e sociais das formas de tratamento. Neste caso, as estratégias verbo-pronominais para marcar a distância interpessoal na interação são tão variáveis e complexas no português do brasileiro quanto nas diversas realizações dialetais do espanhol).

A medida da proximidade e do distanciamento da compreensão espontânea entre o português e o espanhol parece combinar, assim, dois aspectos: (1) a distância real, que deveria ser quantificada a partir de parâmetros objetivos e procedimentos empíricos no plano do uso; e (2) a distância percebida, que, numa aproximação inicial de uma dessas línguas pelos falantes da outra, tende a basear-se em grande medida em similitudes apenas superficiais das bases lexicais, uma vez que a superfície lexical é a parte mais imediatamente perceptível de uma língua.
O léxico só funciona no discurso, as palavras não operam em estado dicionário, entretanto é por uma aproximação centrada na palavra escrita, de forma isolada, que se considera o português e o espanhol como línguas próximas. Do ponto de vista sintático, Correa (2007) também demonstra o comportamento divergente deste par lingüístico no tratamento de estados e eventos relacionados à expressão sintática de construções verbais ou predicativas com sujeitos humanos afetados. Enquanto que em espanhol a preferência é pelas construções verbais (enojarse, se convocó al ministro), já em português a preferência é pelas estruturas predicativas (ficar bravo, o ministro foi convocado). Além da questão dos verbos de transformação de estado e da passiva, os trabalhos de Machado Vieira (2001, 2004), Esteves (2008) e Assis (2009) tratam a questão da alternância entre construções perifrásticas e verbos plenos e a preferência por estruturas em PB tais como dar queixa, fazer queixa ou ter queixa em oposição a queixar-se (que esta sim seria a estrutura preferente em espanhol segundo a linha dos resultados de Correa, 2007). Assim nas estruturas com verbo suporte estudadas por Machado Vieira (2001, 2004) e Esteves (2008) a preferência de uso em PB, apesar da variação seria por tomar banho, fazer a barba, sentir saudade, enquanto que em espanhol a preferência seria segundo os resultados de Correa (2007) por verbos plenos bañarse, afeitarse,extrañar.
Uma vez que estas duas teses (Cintrão, 2006 e Correa, 2007) questionam a proximidade léxica e sintática do par lingüístico português-espanhol, cabe a nós agora, em 2008, tratar a questão do ponto de vista prosódico, ou seja considerando elementos de ritmo e entoação.
No caso específico da compreensão escrita, não se pode falar de iniciantes na aprendizagem de LE entre o par português-espanhol, mas na modalidade oral, sim, uma vez que são pares tipologicamente mais distantes, tanto no que diz respeito às habilidades de recepção como, muito especialmente, no que se refere à produção. Entretanto, umas das primeiras questões que devemos resolver ao tratar de elementos de pronunciação é qual o padrão que vamos adotar para avaliar a produção dos aprendizes. Moreno Fernández (2000) relança a divisão do espanhol em oito áreas dialetais. E a nossa pergunta é: em função de qual variante prosódica deve ser corrigido o aprendiz brasileiro de Espanhol/LE? E especificamente no caso da produção oral, qual o modelo de pronúncia que cabe adotar no ensino de espanhol no Brasil?
A resposta a esse tipo de pergunta só pode se dar a partir de considerações das políticas lingüísticas relacionadas ao ensino do espanhol no Brasil.
Quando o sistema educativo de um país opta por oferecer o ensino de determinada LE, essa escolha está vinculada a valores específicos do grupo social e /ou étnico que mantém essa sociedade. São valores transformados em interesses que fazem o currículo abrigar uma ou mais LE. São, ainda, esses valores os que contribuem para determinar quais línguas, tempo e com que intensidade ensinar nos diferentes níveis escolares.
Num primeiro momento, é portanto no nível político que se decide que língua ensinar, pois cabe ao Governo e a seus assessores tal escolha. E, tudo que se refere à ordenação do sistema educativo do Brasil, incluído o lugar das LE, aparece regulamentado na Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (LDB), de 20 de dezembro de 1996, ainda que os Estados tenham competência em matéria educativa para a implementação das normas federais e o desenvolvimento da legislação específica. A LDB em vigor recorre ao ensino de LE de uma forma obrigatória para o ensino fundamental nos seguintes termos: “Na parte diversificada do currículo será incluída obrigatoriamente, a partir do 6 ano, o ensino de, pelo menos, uma LE moderna, cuja eleição ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da Instituição” (art. 26, V). Já para o ensino médio, a lei 9394/98 estabelece que “será incluída uma LE moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, com caráter optativo, dentro das possibilidades da Instituição” (art. 36, III).
Num segundo momento, é no nível lingüístico e sociolingüístico que se decide o que ensinar, quando e quanto fazê-lo, pois cabe aos lingüistas e sociolingüísticas tais escolhas. Para isso comissões são criadas como as que fundamentaram a legislação do ensino de LE no Brasil a LDB e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), ou a criação do Marco Europeu de Referência, na Comunidade Européia.
E, finalmente, num terceiro momento, no nível psicolingüístico e pedagógico, são os professores os que decidem como ensinar a LE em suas aulas, em função de sua variante no caso dos professores nativos ou das motivações e necessidades no caso dos professores não nativos e aprendizes.
A fim de propor um modelo comum de preparação de programas de ensino de línguas, orientações curriculares, exames e critérios de avaliação, materiais didáticos e manuais e para que os profissionais do âmbito do ensino de línguas compartilhem suas opiniões e troquem informação sobre seus planos curriculares, métodos didáticos, materiais e provas usadas, o Conselho da Europa determinou que especialistas do ensino de LE elaborassem o Marco comum europeu de referência para as línguas: aprendizagem, ensino, avaliação (MCER). [1]
Com a publicação da versão do documento em espanhol, as linhas gerais para o ensino e aprendizagem de línguas na Europa e, por extensão, os planejamentos da política lingüística do Conselho da Europa ficam à disposição dos profissionais espanhóis e hispano-americanos do campo da didática de línguas. Deste modo, o Marco de referência se perfila como um instrumento de grande utilidade e de não menos transcendência nos âmbitos profissionais e educativos pertencentes ao campo do ensino de línguas, tanto dentro quanto fora da Europa, e tem repercutido fortemente nas discussões do ensino do espanhol no Brasil, no marco do Instituto Cervantes que o adota como plano curricular, juntamente com a LDB oficial do MEC e os PCNs.
Estes documentos oferecem uma série de opções, com relação a diferentes aspectos metodológicos sobre o papel que os professores, os alunos, o uso de meios audiovisuais e de textos, tarefas e atividades, o desenvolvimento de estratégias e de competências, e o modo de aproximação e correção dos “erros” e as faltas desempenham no ensino e na aprendizagem de línguas. Os autores do Marco de referência asseveram de modo explícito nas Notas para o usuário que a intenção da obra não é de foram alguma preceptiva (MCER:9):

Hay que dejar claro desde el principio que no nos proponemos decir a los profesionales lo que tienen que hacer o de qué forma hacerlo. Nosotros planteamos preguntas, no las contestamos. El Marco de referencia europeo no tienen el cometido de establecer los objetivos que deberían proponerse los usuarios ni los métodos que tendrían que emplear”.

Os PCNs também não têm uma vocação prescritiva, são documentos que se declaram ausentes de dogmas metodológicos e abertos à interpretação e ao emprego de suas descrições para o desenvolvimento de princípios práticos para o ensino, a aprendizagem e a avaliação de línguas, expondo diferentes propostas com a finalidade de provocar o interesse e a preocupação particulares em cada caso. Sem propor uma metodologia, o que se pretende é suscitar a reflexão metodológica. Sendo assim, cabe a cada usuário do documento, em função de seu papel dentro do processo de aprendizagem, ensino e avaliação da língua definir a opção metodológica que mais adequada às suas circunstâncias.
O enfoque adotado nesses documentos se centra, em sentido geral, na ação. Um enfoque orientado para a ação implica diretamente na consideração dos usuários da língua e, por fim, dos alunos como agentes sociais; membros integrantes de uma sociedade que vem envolvidos numa série de atribuições de todo tipo, não exclusivamente lingüísticas, que se situam em entornos específicos e em contextos concretos, e que se encontram determinados por circunstâncias particulares.
Ainda que os atos de comunicação tenham, em muitas ocasiões, um componente lingüístico, estes atos e atividades se situam num contexto social muito mais amplo que lhes confere sentido. Por conseguinte, o enfoque centrado na ação, como nos propõe o Marco de referência, dá uma ênfase muito maior aos recursos cognitivos e emocionais e às múltiplas competências (lingüísticas, sociolingüísticas e pragmáticas) que um indivíduo utiliza como ser social.
O princípio que norteia tanto o Marco Europeu de Referencia quanto os Parâmetros Curiculares Nacionais – para LE no caso, é que o caráter evidentemente social de todo ato de comunicação, lingüística ou não, deve se fazer patente num enfoque acertado do ensino de línguas (Stern, 1983). O aluno que enfrenta o estudo de uma língua tem de saber que é partícipe de um entorno social. Deve ser consciente, também, das relações entre a língua e o contexto social, e da existência de variedades da língua, dialetos, socioletos utilizados por determinadas comunidades de falantes. Além disso, o aluno dever conhecer também as distintas variações no uso da língua relacionadas com diferentes papéis sociais ou com aspectos relacionados com a idade, a familiaridade com o resto dos falantes, etc., e outras questões de caráter pragmático e sociolingüístico que podem ir marcados por determinados elementos gramaticais, léxicos, de pronunciação ou entoação.
De acordo com Vázquez (2008), se considerarmos a norma como os usos lingüísticos caracterizados como traços de prestígio e que representam o correto, há no mundo hispânico 22 normas cultas correspondentes às 22 academias da língua espanhola em cada país dos que têm o espanhol como língua oficial. Se tratarmos a questão neste nível tratamos de definir a norma culta a partir de uma análise lingüística de vários níveis: léxico, morfologia, sintaxe, fonética e fonologia, por exemplo. Para além desse componente de análise lingüística entram as questões de política e ideologia lingüística.
A política lingüística (qual a variante dialetal institucionalmente promovida?) e a ideologia lingüística (qual é a variante dialetal considerada como a melhor ou de mais prestígio?) são, segundo Vázquez (2008) os dois elementos chaves na discussão de que norma lingüística usar em sala de aula, a partir da análise lingüística da variação do espanhol, considerando suas 22 normas cultas nacionais. Cada país tem uma representação de norma culta que é a que oferece como produto lingüístico nos cursos de E/LE, mas o que acontece fora das fronteiras nacionais?
A situação é bastante confusa considerando que há professores nativos e não nativos, ou seja que tem o espanhol como LM ou como LE, além das empresas editoriais que dominam o mercado com seus produtos,dependendo da origem da empresa muda a variante lingüística promovida: nos materiais fabricados nos Estados Unidos prevalece a norma chicana e nos materiais fabricados na Europa à norma castelhana, ou seja é privilegiada a área de México e América Central no primeiro caso e a área de 2/3 da Espanha, norte e centro da península, sob histórica de Castilha no segundo caso, de acordo com a classificação proposta por Moreno Fernandez (2000).
Para Vázquez (2008), não é possível escolher a variante do professor, nas palavras dela: nenhuma pessoa em pleno exercício de suas faculdades e saúde psicológica estável pode adotar uma variante par ensinar que não seja a sua, a não ser que existam problemas de aceitação no trabalho. Problemas estes relacionados à atitude lingüística e neste campo, para a autora, muito teriam pra dizer trabalhos de pesquisa nas instituições de ensino de E/LE que se encontram fora dos limites das fronteiras nacionais, relacionados às atitudes de professores e aprendizes com relação às variantes que utilizam. O que acontece no Brasil com as representações e com o imaginário lingüístico relacionado ao mundo hispânico? Qual o modelo que se pensa que se ensina e qual é o modelo que realmente se ensina? Qual o que deveria ser ensinado?
Em síntese, as forças relevantes ou os agentes no ensino de LE, para Vázquez (2008) são:
a) as políticas lingüísticas nacionais por um lado,
b) os certificados, diplomas e avaliações oficiais, por outro,
c) a formação dos professores,
d) o material editorial e audiovisual disponível
e) as motivações e necessidades do público aprendiz.

O modelo docente é fundamental já que é o input privilegiado, mas não o único já que estão os materiais produzidos com finalidades didáticas ou não, não podemos esquecer o mercado audiovisual e a facilidade de circulação de materiais que entram nos circuitos de distribuição internacional nas salas cinematográficas ou nas mediatecas com a indústria dos dvds.
O mundo editorial e o mundo dos certificados de proficiência são um negócio, geram empregos e divisas e são uma das forças ou agentes que devem ser considerados no momento de reflexão sobre que espanhol ensinar. Para este tipo de negócio lingüístico é lucro considerar o espanhol neutro enquanto categoria factível de seus produtos, se há um espanhol neutro ou pan hispânico o material circula por mercados mais amplos. Há muitos materiais de pronúncia que propõe o espanhol neutro, mas estes materiais não podem cumprir o que prometem porque não há um espanhol neutro, uma vez que não há falantes de espanhol neutro, assim como não há falantes de um espanhol pan hispânico, como pretendem algumas soluções mais recentes de mercado: gramáticas e dicionários incluídos nessa empresa. Para Váquez (2008) o espanhol neutro ou pan-hispânico é uma tendência do mercado... Quanto mais estandar ou neutra a norma do material mais ampliado será o mercado de consumo desse produto... No caso do ensino de Espanhol/LE, para esta autora, a norma pan-hispânica não existe porque não há falantes pan-hispânicos.
No Brasil, prevalecem os materiais produzidos na Espanha, os professores nativos são na maioria oriundos de países da Hispanoamérica nos Departamentos de Língua Estrangeira das Universidades, e de origem espanhol (o que implica normas castelhana, sobretudo, mas também andaluza ou canária) nos centros do Instituto Cervantes. Nesta instituição há talvez uma maioria de professores permanentes que são cidadãos e funcionários do governo espanhol, entretanto não é o caso da maioria dos professores substitutos, com contratos temporários.
E os professores não nativos? Seguem no melhor dos casos uma das normas de sua preferência de acordo com as experiências lingüísticas que tiveram ou uma mistura de tudo, usando indistintamente traços ouvidos ou percebidos sem remissão à origem da variante, com grande risco neste caso de incoerência nas escolhas de traços selecionados, por falta de uma descrição detalhada dos traços característicos de variação que opõem as normas seja dos 22 países aos que se refere Vázquez (2008), seja das 8 macro áreas propostas por Moreno Fernández (2000).
As variantes têm referentes dialetais. Para Vázquez (2008), os materiais devem responder às escolhas que fazem os aprendizes de uma LE, portanto seria aconselhável ter materiais diferenciados para os que pretendem atuar como usuários da língua com fins diversos nas diferentes comunidades de fala, garantir a informação adequada sobre a diversidade do espanhol no nível da percepção não da produção diferente é o caso dos que aprendem espanhol in situ: nesse caso utilizar materiais que não reflitam a variante lcoal seria um desperdício do valioso input do entorno (se esses materiais são raros trata-se mais de uma questão de mercado).
É possível o desenvolvimento de uma percepção ou compreensão pan hispânica, mas não de uma produção. O ideal seria que os aprendizes de espanhol no Brasil estivessem expostos ao maior número de variantes possíveis para fazer sua escolha., nem sempre é o caso. Para os estudantes de Espanhol/LE produzir uma variante significa identificar-se e ser identificado como pertencente a uma certa comunidade lingüística sobre a qual o resto do mundo plasma os seus valores.
A escolha da variante não depende do número de falantes. Falar significa firmar a sua própria identidade, não há língua falada neutra, assim como não há língua escrita neutra o contexto condiciona, restringe e marca a produção lingüística (o gênero textual, o tipo de interação, a finalidade comunicativa, a idade dos sujeitos comunicantes ou o gênero, e claro, a origem geográfica são fatores determinantes das escolhas lingüísticas orais e escritas).
Não é preciso renunciar à variabilidade lingüística do ponto de vista da exposição, seria utópico fazê-lo num contexto de ensino de E/LE fora das fronteiras nacionais, particularmente no contexto social brasileiro. Vázquea (2008) defende expor o aprendiz à variação e deixar a escolha livre de acordo com a sua motivação e as suas necessidades. Todo aprendiz deve escolher o seu modelo de variante, todo aprendiz deve decidir qual é o seu modelo de variante, não há neutro, suas escolhas no nível léxico (autobus, colectivo, guagua, buseta, omnibus, camión), conversacional (vale, ta, huevón, guey, boludo), morfo-sintático (hoy me pasé toda la tarde fumando/hoy me he pasado toda la tarde fumando,), ou a combinação de dois ou mais desses níveis (os quiero um mogollón/los quiero pila), além das questões fonéticas (realização da vibrante, realizações aspiradas de /s/ ou /x/ por exemplo) e questões fonológicas (seseo, yeísmo).
O léxico coloquial (principalmente os nomes próprios e seus adjetivos correspondentes no campo semântico relacionado à comida e aos topônimos), o uso dos tempos verbais, notadamente a alternância dos pretéritos no modo indicativo e subjuntivo), as formas de tratamento (verbais, pronominais e nominais), os marcadores conversacionais, os fenômenos de retomada pronominal como leísmo, laísmo, loísmo versus o uso etimológico ou o apagamento do clítico) são todos fenômenos de variação que não podem ser escondidos, ocultados na busca de um ideal lingüístico didático, não no nível da compreensão. E na produção, é importante assinalar a coerência na combinação desses traços.
Não há neutro, as escolhas são uma questão de identidade ou de alteridade, de pertinência ou adesão a certos grupos sociais ou comunidades de fala (idênticos) ou de exclusão, de não pertinência nem adesão ao outro... nessa questão identitária o sotaque estrangeiro, ou o cuidado com a pronúncia é um fator primordial, não só no nível dos segmentos fônicos mas também na expressão do ritmo e da entoação da LE.

[1] No Marco de referência se estabelecem as bases comuns para a descrição de objetivos e conteúdos para a elaboração de programas de ensino de línguas, assim como os aspectos metodológicos subjacentes pela implementação destes parâmetros. Mediante o estabelecimento de uns critérios objetivos tais como descrever os diferentes níveis de domínio da língua, se procura em último termo que esses níveis se equiparem e, por extensão, se reconheçam as diferentes titulações que possa obter qualquer estudante de língua na Europa.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

1 – Aprendizagem e transferência lingüística em Língua Estrangeira (LE)

Para tratar da questão da transferência, um dos objetos centrais do nosso estudo, é importante começar discutindo, no marco teórico do processo de ensino-aprendizagem de LE, os conceitos aquisição e aprendizagem. Segundo Akerberg (2006), o campo do ensino-aprendizagem de língua estrangeira (LE) ou segunda língua (L2) é um campo movediço e bastante dinâmico no que diz respeito às posturas conceituais: e isso tanto no que se refere à concepção mesma da linguagem quanto às suas conseqüências didáticas. Um breve histórico das teorias de aprendizagem mostraria como as teorias e os métodos surgem, se modificam e/ou até desaparecem com muita rapidez, de acordo com a teoria lingüística vigente.
A fim de ilustrar metaforicamente a oposição histórica da aquisição ou aprendizagem de línguas estrangeiras, Akerberg (2006) utiliza a dicotomia da lógica do mercado ou feira livre versus a do claustro. Historicamente, o termo aquisição estaria relacionado à aquisição de línguas no mercado, ou seja, na feira, na rua, pelo contato direto entre os falantes em plenas trocas comerciais, e tem como pressuposto uma instrução intuitiva implícita. Trata-se de uma instrução baseada na exposição a insumos lingüísticos e a interações que não foram programadas com finalidades didáticas, ou seja, a exposição e a interação se dão num marco de contatos lingüísticos espontâneos. Já, como diz Akerberg, o termo aprendizagem implicaria um processo historicamente mais relacionado ao claustro do que ao mercado ou feira livre, ou seja, a um estudo em lugar fechado que tem como pressuposto uma instrução declarativa explícita. Trata-se de uma instrução baseada na exposição a insumos ou materiais lingüísticos e interações programadas ou provocadas, ou seja, desenhadas com finalidades didáticas.
Ainda que aquisição e aprendizagem, freqüentemente, se usem indistintamente, esses dois termos têm significados diferentes em sua origem teórica dentro dos estudos de ensino e aquisição. Segundo Thatcher (2000), o vocábulo aquisição se reserva à língua materna (LM), enquanto que todas as demais línguas, ou seja, as línguas estrangeiras (LE), se aprendem, não se adquirem.Entretanto, essa repartição língua materna-aquisição e língua estrangeira-aprendizagem não é unanimemente reconhecida como tal, dentro da Lingüística Aplicada.
Para Krashen (1981), o termo aquisição não se refere necessariamente à aquisição da LM, mas às condições de imersão e contato lingüístico. Se o sujeito é exposto à LE por contato direto, ou seja, se é exposto à LE como a criança é exposta à LM, e adquire a LE de forma assistemática, o termo usado neste caso é aquisição da LE e não aprendizagem, ainda que seja LE e não LM. Portanto, para Krashen, o termo aprendizagem se aplica ao estudo formal da LE, geralmente em sala de aula, com professor, explicações gramaticais, exercícios de conhecimento explícito da língua, simulação de situações para fomentar o diálogo em LE, ou seja, a aprendizagem, ao contrário da aquisição, implica um processo de exposição e exercício da LE planejado e sistemático.
Ainda no marco da Lingüística Aplicada, citando Griffin (2005), o termo “segunda língua (L2)” é usado quando uma língua é aprendida depois de uma primeira e enquanto o indivíduo mora no país onde se emprega esta língua como língua de comunicação, já o termo “língua estrangeira (LE)” se refere também a uma língua que se aprende depois de ter uma primeira formada, no entanto em outras condições de aprendizagem. A LE é a língua que se aprende (geralmente com construção formal) em um país no qual não se usa esta língua como língua de comunicação. Considerando principalmente a perspectiva da interação no processo de formação de professores de E/LE no Brasil, nós seguimos a linha da Lingüística Aplicada e optamos por referir-nos à aprendizagem de LE em vez de L2. Sendo assim, nesta pesquisa, o contexto de aprendizagem, ou o processo de instrução explícito pelo qual passaram os sujeitos cariocas que participaram de nosso experimento passa a ser o critério classificatório da amostra de população que pretendemos estudar.
Desde a perspectiva da LA, ou seja desde a perspectiva sócio-interacionista, Griffin assinala ainda que a L2 costuma ser aprendida por motivos mais extrínsecos ou instrumentais. Por exemplo, se o indivíduo se encontra num país onde se utiliza esta língua, precisa aprendê-la para estudar, trabalhar, enfim, se comunicar e sobreviver no país. Já a LE costuma ser aprendida mais por razões intrínsecas, de afinidade ou escolha (com objetivos tais como turismo, estudo voluntário, resultado da política lingüística nacional ou regional...). Os sujeitos cariocas que analisamos optaram por estudar voluntariamente a língua espanhola, o que reitera nossa escolha pelo termo LE e não L2, considerando essa distinção da LA. [1]
Seguindo esta linha conceitual, consideramos em nosso trabalho como sendo aprendizes de LE, todos aqueles que receberam o input da LE a partir de um contexto escolar/institucional, mesmo que esse processo escolar já tenha sido encerrado e sejam, atualmente, os sujeitos analisados em questão, professores de LE. Para a constituição do nosso corpus, consideramos o grupo de aprendizes (seja qual for o seu nível lingüístico e, no nosso caso, mesmo que o processo de ensino esteja encerrado) em oposição ao grupo de falantes nativos de LM. A nossa hipótese é que o sistema fonológico da LM e seus processos e restrições têm uma influência na aprendizagem do sistema fonológico da LE, especificamente no que diz respeito aos contornos melódicos, sendo essas influências as que trataremos como transferências prosódicas.
A oposição destes dois termos (LE x L2), é uma oposição teórica, os teóricos da Lingüística Aplicada (LA) diferem dos teóricos da Aquisição de Segundas Línguas (ASL) quanto a como chamar essa nova língua, se LE ou L2.. Tem sido um consenso na LA chamá-la de LE quando nos referimos ao processo ligado ao contexto institucional, seguindo esta linha seria uma incongruência tratar da "aquisição de LE". Entretanto, na ASL praticamente se usa o termo L2, assim para a ASL, que segue a perspectiva da Gramática Universal, tudo pode ser chamado de L2 porque não interessam os meios pelos quais dado insumo lingüístico chega ao aprendiz, mas sim, o que acontece na mente (ou seja, da perspectiva da cognição) desse indivíduo que recebeu aquele estímulo. A ASL tem o foco voltado para dentro, por dizê-lo assim, para aspectos psicológicos desse processo, enquanto que a LA tem o foco voltado para fora, para o processo em si de ensino-aprendizagem, para o tipo de interação e de insumo do processo sócio-interacionista e não para o processamento cognitivo em si, mais mentalista.
Língua Estrangeira (LE) em oposição à Língua Materna (LM), aprendizes versus nativos, é o recorte metodológico que aplicamos à população que nos propomos estudar nesta tese: aprendizes de Espanhol/LE, nativos de Português do Brasil/LM e nativos de Espanhol/LM. Nosso propósito é verificar a transferência prosódica de padrões rítmicos e melódicos do PB/LM no Espanhol/LE. Do ponto de vista teórico a influência da LM sobre a LE pode ser abordada a partir de três perspectivas teóricas bem distintas, no que diz respeito aos estudos da linguagem.
Segundo Griffin (2005), a transferência lingüística pode ser tratada a partir de três perspectivas muito diferentes: o behaviorismo ou condutivismo; o nativismo, mentalismo ou gerativismo, e ; o funcionalismo ou interacionismo.
A linha behaviorista , a partir dos experimentos de Skinner publicados na década de 50, propõe que os seres humanos nascem sem aparentes conhecimentos e que tudo o que aprendem o fazem através de uma exposição direta ao que existe em seu entorno. Com repetidas exposições ao que há no entorno, respondemos ora os imitando ora os associando com outras informações. Através destas imitações provocamos retroalimentação positiva ou negativa que a sua vez reforça as imitações, convertendo-as em hábitos. Com relação à LE, os behavioristas consideram que a LM consiste numa série de informação já formada pelo processo e que constitui uma cadeia de hábitos de comportamento estabelecidos. Ao se aprender a LE, o processo é o mesmo, mas ao existir já os hábitos da LM, se trata de ter que “re-aprender”, ou reforçar novos hábitos (esta vez, de LE) através da prática repetitiva. Esta teoria behaviorista foi a base de estudos nos quais se observam e analisam “erros” que os aprendizes de LE cometem que ao parecer procedem de uma transferência negativa (interferência) de conhecimentos de LM. Em múltiplas tentativas de comparar as estruturas das línguas por meio do método conhecido como “análise contrastiva”, a conclusão a que se chega é que os elementos que se parecem entre a LM e a LE, não são fonte de “erros”, porque se trata dos mesmos hábitos, no entanto os elementos diferentes produzem “erros” porque se trata de hábitos diferentes. A solução para não se cometer “erros” seria repetir os novos hábitos tantas vezes quantas forem necessárias para poder eliminar os velhos hábitos. A partir dessa perspectiva, há a aceitação total de transferência da LM como o fator mais importante que atua no processo.
No entanto, para Chomsky, nem todos os “erros” se podem explicar por comparações entre os sistemas lingüísticos. Para ele, alguns “erros” parecem “se gerar” dentro do mesmo indivíduo. Sendo assim, Chomsky cria um dispositivo para aprender línguas, uma estrutura mental que parece funcionar independentemente do que observa o indivíduo e que está composto por uma rede de regras sintáticas que só precisam entrar em contato com a experiência direta para poder se ativar. Essa é a perspectiva do nativismo, mentalismo ou gerativismo. Nesta perspectiva cognitiva, o papel da LM no processamento de uma L2 e na formulação de regras é o de preencher os vazios do código novo ainda não disponível com regras e sistematizações do código já disponível. Essa formulação de regras seria uma processo dinâmico, sendo que na maioria dos modelos gerativistas atuais, a LM tem um papel fundamental pois são suas propriedades as que propiciam ao aprendiz alguma capacidade de acessar e processar o insumo da língua nova.
Os behavioristas e os gerativistas baseiam suas idéias na percepção lingüística, ou como um indivíduo entende e usa as estruturas morfossintáticas ou referências léxicas ou conceitos semânticos; geralmente se referem à aprendizagem de fragmentos mínimos de língua; morfemas, palavras, no máximo frases.
Já um terceiro grupo de teóricos, os interacionistas observam que a aprendizagem de LE não depende exclusivamente do sistema lingüístico, mas sim que é a natureza da comunicação o que condiciona o processo. É por isso que se começa a estudar a língua em blocos maiores, chamados de discurso. A idéia é que a aprendizagem procede de uma negociação que surge da comunicação entre interlocutores e que esta comunicação produz discurso de acordo com o significado que cada um lhe dá. É a interação entre os interlocutores o que faz com que a informação do entorno interaja com o dispositivo de aprender línguas, convertendo-se assim na língua que o aprendiz pode chegar a compreender e a assimilar em sua estrutura cognitiva para ser recuperada e usada em outra ocasião quando precise. Nesta perspectiva há uma redefinição do papel da transferência da LM, que postula uma interpretação relativizada do fenômeno, apontando-o como um dos fatores, não mais o único, na questão da aprendizagem de LE.
De acordo com os estudos sobre ensino-aprendizagem de LE, se pode afirmar que a LM tem um papel ativo sim na aprendizagem da LE, seja:
1- como conhecimento pré-existente ao que se acede estrategicamente na comunicação,
2- como fonte de uma interferência, também estratégica integrada nos mesmos processos de construção criativa da língua,
3- como mediadora entre a LE e a gramática universal, ou
4- integrada no marco dos universais lingüísticos.
Em todos esses casos se pode falar de um papel ativo e positivo da LM, ainda que alguns autores assinalem a interferência negativa que poderia vir a atrasar e fossilizar a aprendizagem.
Gass et Selinker (1983), apud González (1994), julgam que é realmente possível e não incompatível ver a aprendizagem de LE como um processo, ao mesmo tempo, de testagem de hipóteses, no qual os estudantes criam porções de conhecimento a partir dos dados de LE que lhes são acessíveis, e de utilização do conhecimento da LM, bem como de outras já aprendidas, na criação de língua do aprendiz. Outros mostram que faz parte desse conhecimento prévio tudo aquilo que já está assimilado da língua que se está adquirindo.
O principiante usa como estratégia comunicativa o “empréstimo” de sua língua materna. Esta transferência, ou interseção, como a renomeia Corder (1967), é uma manifestação de um processo psicológico geral que se serve dos conhecimentos existentes para facilitar a nova aprendizagem como ressaltam McLaughlin (1978) e Taylor (1975).
Segundo McLaughin (1987), se considera a transferência como uma estratégia de comunicação que se emprega quando os conhecimentos de LE não são suficientes para elaborarem enunciados, ou, em outras palavras, se considera um processo psicolingüístico que serve de apoio para facilitar a aprendizagem da LE. O que um aprendiz faz é usar estratégias, mecanismos, táticas, planos, procedimentos.da LM na aprendizagem de línguas estrangeiras.
Hoje em dia, apresenta-se a transferência como uma estratégia comunicativa, na qual o “empréstimo” da LM propicia dinamismo e progressão da chamada Interlíngua, e ainda que esta estratégia seja uma das causas da aparição do “erro”, especialmente no eixo das línguas consideradas próximas como o português e o espanhol, esta estratégia é uma das causas possíveis, porém não a única. Essa transferência dos saberes da LM do aprendiz na aprendizagem de LE é um processo natural, conforme afirma Odlin, 1989.
O conceito de transferência esta presente, portanto, segundo Ortiz Alvarez, no que se assinala no campo da didática das línguas como as três teorias mais relevantes de ensino aprendizagem de LE: a análise contrastiva, a análise de erros e a hipótese da interlíngua.
Considerando o histórico das teorias de ensino-aprendizagem de LE, Ortíz Alvarez (2002) aponta essas três teorias como as mais relevantes:
(1) Análise contrastiva (AC), centrada na transferência da LM para LE;
(2) Análise de erros (AE), que também leva em conta os mecanismos intralingüísticos – sobregeneralização, simplificação, etc. – e
(3) a Hipótese da Interlíngua (IL), que concilia as duas teorias anteriores.
Nos primeiros estudos sobre ensino-aprendizagem de LE predomina a corrente da análise contrastiva de Weinreich (1953) e de Lado (1957) que defendem o uso de elementos de LM na LE, como causa de “erros” no uso da LE. No entanto, em 1967, Corder publica um importante artigo no qual destaca o valor dos “erros” (até então combatidos pelos defensores da análise contrastiva) para o aluno, para o professor e, especialmente, para o pesquisador. Surge a partir desse artigo a análise de erros (AE), que tem como base a hipótese chomskyana.
A terceira e última teoria relevante, segundo Ortiz Alvarez, surge em 1972, quando Selinker formula o termo “interlíngua” (IL) para designar a língua dos falantes não nativos. O termo Interlíngua (IL) se refere a um sistema lingüístico estruturado e organizado, próprio de uma etapa determinada na aprendizagem de uma LE; é um idioleto natural na LE, a versão particular e provisória que o aluno tem da LE, um sistema intermediário entre a língua nativa e a língua meta. Até chegar à língua alvo (LAL), o aluno transfere regras de sua LM à LAL e acaba criando uma IL. Na configuração da interlíngua intervêm, principalmente, os erros de aprendizagem (esporadicamente, também erros de ensino), as estratégias de aprendizagem, de comunicação, de sobregeneralização e a transferência de elementos da LM. No caso do termo transferência, postulam-se duas modalidades, a positiva e a negativa, sendo que esta última também recebe, nesta linha teórica o nome de interferência. A transferência é considerada positiva quando a influência exercida pela língua materna (LM) na língua estrangeira (LE) é considerada uma ajuda benéfica; já quando a influência exercida pela LM na LE leva o sujeito-aprendiz a cometer “erros” muitas vezes “graves” e que podem gerar malentendidos é considerada transferência negativa ou interferência.
Mas o que são erros e erros graves? Quem pode julgar ou avaliar as performances em LE e com base em quais critérios, sejam eles intuitivos ou de uso? Com base em que tipo de gramática se avaliam os erros, na das descrições gramaticais disponíveis, na gramática internalizada do falante ou na percepção dos usos no jogo da interação social, a partir de sua freqüência e combinação no discurso?
O conceito de Interlíngua, útil para contextos didáticos de ensino-aprendizagem de LE, tem sido bastante criticado a partir de diversas correntes lingüísticas pela concepção estanque da linguagem que pressupõe, estanque no sentido de tratar a língua como um objeto bem definido e com os contornos bem delimitados. A análise do discurso ou a fonologia articulatória por exemplo, correntes lingüísticas que procuram dar conta da dimensão psicanalítica da linguagem, ou de sua origem bio-mecânica e sócio histórica, rejeitam o conceito de Interlíngua.
Como uma língua não é um objeto definido, com contornos precisos e estáveis, para Atálla Pietroluongo (2001), o termo Interlíngua, que corresponde a um estágio intermediário (“provisório e passível de evolução”) de aprendizagem de uma dada língua é problemático. Tal visão denuncia o positivismo que leva a pensar o discurso do aprendiz como um desvio em relação à norma constituída por esses “objetos acabados” que seriam respectivamente a língua de origem e a língua alvo (LAL). A diversidade de interesses e objetivos de aprendizagem demonstra que o que existe são diferentes variedades de utilização de um objeto idealizado: a língua (Moirand, 1984).
Pensando a língua como aquilo que fornece as condições materiais sobre as quais os processos discursivos se desenrolam, aquilo que constitui a condição de possibilidade do discurso, o lugar onde se produzem efeitos de sentido (Pecheux, 1975), se chega à conclusão de que o discurso de um indivíduo é constituído por traços de sua formação ideológica. O discurso se ancora em práticas que não são unicamente do indivíduo, mas que este partilha com outros sujeitos do grupo a que pertence (Atálla Pietroluongo, 2001).
Essa relação influencia na escolha do indivíduo pelo estudo de determinada LE. Embora, a maioria dos indivíduos que optem por estudar uma língua estrangeira (LE), geralmente, tenham como objetivo principal ampliar seus horizontes profissionais, acabam por ampliar além desse horizonte, sua vida intelectual, acadêmica e pessoal, pois, ainda que, ao se deparar com uma LE, o sujeito crie uma realidade estereotipada, já que tece imagens sobre essa LE, que advêm de um mundo imaginário criado a partir de sua própria língua, de métodos de ensino de LE e de seus próprios professores, este cresce profissionalmente e pessoalmente, uma vez que o indivíduo acaba desconstruindo essa imagem estereotipada e aprende a não só descrever a nossa realidade convencional com sons novos e exóticos, mas aprende também a criar uma realidade nova.
Tal estereotipação ocorre, pois quando o sujeito aprende uma nova língua não se trata, como não o foi em língua materna (LM), de entrar virgem num terreno neutro, mas sim, de sofrer mais uma vez as coerções das malhas de uma outra rede significante, também necessariamente articulada pelo simbólico lugar da Lei, da Cultura, das Regras, das Prescrições. O sujeito conhece a inscrição simbólica em todos os rituais e cerimoniais sociais dos quais participa. Do nascimento à morte, o simbólico se codifica em sistema (Lacan, 1966).
Com essa nova aprendizagem o sujeito muda, se transforma, pois, segundo Revuz (2001), toda tentativa para aprender uma outra língua vem perturbar, questionar, modificar aquilo que está inscrito em nós com as palavras dessa primeira língua. Muito antes de ser objeto de conhecimento, a língua é o material fundador de nosso psiquismo e de nossa vida relacional.
Segundo Atálla Pietroluongo (2001), o exercício continuado de uma LE dará, pois, contornos novos à subjetividade do indivíduo, à sua relação com o dizer, com o seu ver, com o seu fazer. A língua materna (LM) deste indivíduo será sempre afetada pelo movimento dessa nova trama significante. Essa LE, que talvez jamais venha a ser inteiramente uma língua para este indivíduo, no sentido que o é sua LM, desestrutura o seu pensar, desorganiza sua sintaxe, reorganiza espaços, cria efeitos de sentidos novos, inusitados, insuspeitados no seu dizer o mundo. Falando outra língua, o indivíduo é em outro lugar, faz sentidos diversos do que faria se só conhecesse a sua. Começa a desconfiar que pode dizer diferente e que essa diferença dará novos contornos a esse estrangeiro de si.
No caso específico da prosódia esse processo passa pela construção de uma nova voz, de uma nova identidade vocal, calcada na reaprendizagem de gestos articulatórios, na manifestação da expressividade vocal e de estilos de fala.
Se a língua é um objeto idealizado, do ponto de vista material ou concreto só temos discurso. O delineamento preciso do que é língua é desmontado tanto :
a) pela perspectiva discursiva, segundo a qual ao falar uma nova língua, abre-se no indivíduo a possibilidade de um redimensionamento que coloca em questão a forma como foi, até então, em sua língua, colocando-o nas margens de seu próprio dizer, quanto
b) pela perspectiva sócio-histórica que coloca em questão a própria noção de língua, enquanto ideologicamente marcada pelos discursos que a instauram na sociedade (descrições gramaticais, referencias políticas e institucionais) dificilmente recortada enquanto objeto em si uma vez que a língua não tem uma dimensão material, física mas sim puramente discursiva e ideológica – língua é ideologia.
Uma vez deslocadas as fronteiras lingüística claras, tanto do ponto de vista do sujeito quanto da sociedade. concluímos que: se é difícil definir o que é língua, muito mais difícil seria para nós definir uma interlíngua. Por esta razão optamos pelo termo transferência para nosso trabalho, sem considerar a questão de interlíngua, nem questões de avaliação positiva ou negativa. Tratarmos a transferência fônica do ponto de vista da fonologia articulatória, enquanto conjunto de gestos vocais: rítmicos, e entonacionais, no caso da transferência prosódica, que fazem parte da gramática fônica da LM e da identidade vocal já adquirida e que, pela falta de exposição ou sistematização adequada, são transferidos durante a aprendizagem da LE (Albano, 2001).
Considerando que os usos privilegiados são os que criam efeitos de exemplar, o privilégio de um uso é, ao nosso ver, criado na Interação Social, sendo que os indicadores de uso, tais como freqüência e probabilidade são parte da gramática fônica, internalizada pelos falantes. Na nossa concepção lingüística, a emergência da linguagem não é vista com uma visão estática de desenvolvimento mas como um processo de oscilação: conexões entre unidades de informação que partem do aleatório e se estabilizam graças aos modelos da aprendizagem supervisionada, sendo que durante o processo as ativações dessas conexões oscilam (Albano, 2001). Nessa perspectiva conexionista, trata-se sempre de um processo dinâmico de idas e voltas e que não pode ser encerrado num paradigma estático de blocos lingüísticos estanques, tais como língua de origem e língua meta ou língua alvo.
Em suma, nosso objeto de estudo é a transferência prosódica de aprendizes de Espanhol/LE, falantes de Português do Brasil/LM, particularmente no que diz respeito a sua produção de enunciados assertivos e interrogativos totais, considerando, especificamente, o par lingüístico português-espanhol.




[1] Seguindo a linha da ASL ou da LA, vários trabalhos de pesquisa vêm sendo desenvolvidos nos Estados Unidos com o Português como L3 - Terceira Língua a partir de falantes nativos de inglês (L1) ou de espanhol (L1), com espanhol (l2) e inglês (L2), respectivamente (Koike e Gualda, 2008; Bacelar da Silva, 2008).

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Convite à Discussão

Acabo de convidar diversos pesquisadores da área de tradução, linguística aplicada, gerativismo, história social da língua e análise do discurso para que se manifestem a partir de suas diversas linhas teóricas sobre estes conceitos, ou pelo menos com aquele que estão mais acostumados a tratar a partir de suas respectivas orientações e interesses de pesquisa. Espero receber em breve suas contribuições. Todos os pesquisadores convidados são da minha mais alta estima e respeito acadêmico. Não vejo a hora de ver todas estas perspectivas em diálogo. Leticia Rebollo Couto

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Convite

O objetivo deste blog é discutir do ponto de vista teórico os conceitos de INTERLINGUA, INTERFERÊNCIA E TRANSFERÊNCIA... a partir de diferentes abordagens lingüísticas.
Conto com a participação de vocês.