domingo, 22 de fevereiro de 2009

2 - A transferência em línguas próximas: o caso do par lingüístico português-espanhol

Tendo em vista que na coleta de dados feita nesta pesquisa trabalhamos especificamente com o par lingüístico português-espanhol, cabe então refletir um pouco acerca de como esse par de línguas consideradas próximas pode repercutir sobre a performance fônica dos aprendizes e sobre o desenvolvimento de sua competência lingüística. Para isso, examinaremos a natureza da proximidade lingüística entre o português e o espanhol, e consideraremos por quê e como essas peculiaridades podem acelerar aspectos da aprendizagem e ao mesmo aumentar a intensidade da transferência em níveis prosódicos.
Do ponto de vista da didática do ensino de línguas, é lugar comum considerar que o português e o espanhol são línguas próximas, o que seria um benefício no início da aprendizagem, mas que nos estágios mais avançados tornar-se-ia uma dificuldade, segundo Ortiz Alvarez (2002). A “proximidade” e a “semelhança” que há entre as línguas contribuem, nesta perspectiva, para uma compreensão inicial que pode desinibir o aluno na etapa inicial, colocando-o como falso iniciante, no entanto, mais tarde, quando o nível de complexidade aumenta e essa “proximidade” e “semelhança” já não é tão evidente assim, a tendência é que o sujeito-aprendiz cometa erros que se não forem sinalizados e retificados poderão se tornar fossilizáveis.
Segundo Cintrão (2006), Richman afirma em seu estudo de 1965, que as duas línguas – português e espanhol- compartilham sim um número considerável de características, especialmente levando em conta o número de traços que cada uma compartilha com outras línguas romance, no entanto, dentre todos os fenômenos de similitude, o mais acentuado é o da cognação (existência de cognatos homossemânticos). Realmente, o português e o espanhol coincidem de forma significativa no que diz respeito às formas lexicais, todavia, há importantes pontos de diferença entre suas evoluções fonéticas e fonológicas, tanto no nível segmental quanto no nível suprasegmental. A elevada identidade entre as línguas é mais notável na modalidade escrita que na oral (a grafia mascara algumas das diferenças fonéticas). O resultado é que, de maneira geral, um falante de uma dessas línguas consegue entender a forma escrita da outra com relativa facilidade, enquanto que a forma oral apresenta um pouco mais de dificuldade.
Cintrão (2006) questiona ainda a proximidade lingüística do português-espanhol, perguntando-se até que ponto o fato das duas línguas terem em termos lexicais um grande percentual de palavras cognatas faz que essas línguas sejam lexicalmente próximas. Essa proximidade centrada numa concepção atomística do léxico e centrado na palavra não resiste à distribuição do léxico em unidades maiores tais como seqüências textuais, tipos de textos e tradições discursivas. Considerando esses diversos critérios de uso do léxico há usos que são divergentes em português-espanhol, a pesar da contigüidade etimológica. Basta analisá-lo do ponto de vista da freqüência e da combinatória dessas unidades no discurso, como o comprovam os estudos de Lingüística de Corpus.
Outra falsa questão relacionada ao léxico quando se trata do par lingüístico português-espanhol é a dos falsos cognatos ou falsos amigos. Para Cintrão (2006) a dicotomia falsos versus verdadeiros cognatos em espanhol e em português está fundamentada em estudos que tratam a questão da proximidade entre estas duas línguas históricas a partir de uma perspectiva geral da proximidade gráfica (e em menor medida acústica) do acervo lexical. Cintrão (2006: 168) conclui que apesar da aparente impressão de proximidade lexical, a convergência ou a divergência lexical em espanhol-português «envolve sutilezas e complexidades impossíveis de mensurar dentro da dicotomia falsos versus verdadeiros cognatos», uma vez que esta dicotomia também está fundamentada, sobretudo, a partir da imagem atomística, visual ou acústica, das unidades lexicais.
Por isso, a autora propõe para os estudos de tradução uma re-análise exemplificada da proximidade lexical deste par lingüístico na seção: Mapeando proximidades e distâncias entre o português e o espanhol. Ao fundamentar-se em variáveis de uso, e não na homogeneidade da língua enquanto sistema abstrato ou introspectivo, Cintrão (2006: 164-183) recomenda, nos casos de proximidade gráfica ou acústica entre itens lexicais em espanhol e em português, atentar,ao fato de que:

1) Há diferentes freqüências de uso entre pares de sinônimos nas duas línguas históricas (como é o caso dos pares em espanhol e português: dolencia X doença e enfermedad X enfermidade);

2) Há intersecções parciais de sentido e diferentes abrangências das intersecções parciais de sentido (como é o caso do par em espanhol e português: mismo X mesmo);


3) Há intersecções totais no nível do sistema com diferentes freqüências de seleções de registro no nível do uso (como é o caso do par em espanhol e português: vivir X viver);

4) Há diferenças de conotações (como é o caso do par em espanhol e português: empleado X empregado);


5) Há circunscrição a diferentes domínios discursivos (como é o caso do par em espanhol e português: X tu, no que diz respeito às diferentes conotações regionais e sociais das formas de tratamento. Neste caso, as estratégias verbo-pronominais para marcar a distância interpessoal na interação são tão variáveis e complexas no português do brasileiro quanto nas diversas realizações dialetais do espanhol).

A medida da proximidade e do distanciamento da compreensão espontânea entre o português e o espanhol parece combinar, assim, dois aspectos: (1) a distância real, que deveria ser quantificada a partir de parâmetros objetivos e procedimentos empíricos no plano do uso; e (2) a distância percebida, que, numa aproximação inicial de uma dessas línguas pelos falantes da outra, tende a basear-se em grande medida em similitudes apenas superficiais das bases lexicais, uma vez que a superfície lexical é a parte mais imediatamente perceptível de uma língua.
O léxico só funciona no discurso, as palavras não operam em estado dicionário, entretanto é por uma aproximação centrada na palavra escrita, de forma isolada, que se considera o português e o espanhol como línguas próximas. Do ponto de vista sintático, Correa (2007) também demonstra o comportamento divergente deste par lingüístico no tratamento de estados e eventos relacionados à expressão sintática de construções verbais ou predicativas com sujeitos humanos afetados. Enquanto que em espanhol a preferência é pelas construções verbais (enojarse, se convocó al ministro), já em português a preferência é pelas estruturas predicativas (ficar bravo, o ministro foi convocado). Além da questão dos verbos de transformação de estado e da passiva, os trabalhos de Machado Vieira (2001, 2004), Esteves (2008) e Assis (2009) tratam a questão da alternância entre construções perifrásticas e verbos plenos e a preferência por estruturas em PB tais como dar queixa, fazer queixa ou ter queixa em oposição a queixar-se (que esta sim seria a estrutura preferente em espanhol segundo a linha dos resultados de Correa, 2007). Assim nas estruturas com verbo suporte estudadas por Machado Vieira (2001, 2004) e Esteves (2008) a preferência de uso em PB, apesar da variação seria por tomar banho, fazer a barba, sentir saudade, enquanto que em espanhol a preferência seria segundo os resultados de Correa (2007) por verbos plenos bañarse, afeitarse,extrañar.
Uma vez que estas duas teses (Cintrão, 2006 e Correa, 2007) questionam a proximidade léxica e sintática do par lingüístico português-espanhol, cabe a nós agora, em 2008, tratar a questão do ponto de vista prosódico, ou seja considerando elementos de ritmo e entoação.
No caso específico da compreensão escrita, não se pode falar de iniciantes na aprendizagem de LE entre o par português-espanhol, mas na modalidade oral, sim, uma vez que são pares tipologicamente mais distantes, tanto no que diz respeito às habilidades de recepção como, muito especialmente, no que se refere à produção. Entretanto, umas das primeiras questões que devemos resolver ao tratar de elementos de pronunciação é qual o padrão que vamos adotar para avaliar a produção dos aprendizes. Moreno Fernández (2000) relança a divisão do espanhol em oito áreas dialetais. E a nossa pergunta é: em função de qual variante prosódica deve ser corrigido o aprendiz brasileiro de Espanhol/LE? E especificamente no caso da produção oral, qual o modelo de pronúncia que cabe adotar no ensino de espanhol no Brasil?
A resposta a esse tipo de pergunta só pode se dar a partir de considerações das políticas lingüísticas relacionadas ao ensino do espanhol no Brasil.
Quando o sistema educativo de um país opta por oferecer o ensino de determinada LE, essa escolha está vinculada a valores específicos do grupo social e /ou étnico que mantém essa sociedade. São valores transformados em interesses que fazem o currículo abrigar uma ou mais LE. São, ainda, esses valores os que contribuem para determinar quais línguas, tempo e com que intensidade ensinar nos diferentes níveis escolares.
Num primeiro momento, é portanto no nível político que se decide que língua ensinar, pois cabe ao Governo e a seus assessores tal escolha. E, tudo que se refere à ordenação do sistema educativo do Brasil, incluído o lugar das LE, aparece regulamentado na Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (LDB), de 20 de dezembro de 1996, ainda que os Estados tenham competência em matéria educativa para a implementação das normas federais e o desenvolvimento da legislação específica. A LDB em vigor recorre ao ensino de LE de uma forma obrigatória para o ensino fundamental nos seguintes termos: “Na parte diversificada do currículo será incluída obrigatoriamente, a partir do 6 ano, o ensino de, pelo menos, uma LE moderna, cuja eleição ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da Instituição” (art. 26, V). Já para o ensino médio, a lei 9394/98 estabelece que “será incluída uma LE moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, com caráter optativo, dentro das possibilidades da Instituição” (art. 36, III).
Num segundo momento, é no nível lingüístico e sociolingüístico que se decide o que ensinar, quando e quanto fazê-lo, pois cabe aos lingüistas e sociolingüísticas tais escolhas. Para isso comissões são criadas como as que fundamentaram a legislação do ensino de LE no Brasil a LDB e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), ou a criação do Marco Europeu de Referência, na Comunidade Européia.
E, finalmente, num terceiro momento, no nível psicolingüístico e pedagógico, são os professores os que decidem como ensinar a LE em suas aulas, em função de sua variante no caso dos professores nativos ou das motivações e necessidades no caso dos professores não nativos e aprendizes.
A fim de propor um modelo comum de preparação de programas de ensino de línguas, orientações curriculares, exames e critérios de avaliação, materiais didáticos e manuais e para que os profissionais do âmbito do ensino de línguas compartilhem suas opiniões e troquem informação sobre seus planos curriculares, métodos didáticos, materiais e provas usadas, o Conselho da Europa determinou que especialistas do ensino de LE elaborassem o Marco comum europeu de referência para as línguas: aprendizagem, ensino, avaliação (MCER). [1]
Com a publicação da versão do documento em espanhol, as linhas gerais para o ensino e aprendizagem de línguas na Europa e, por extensão, os planejamentos da política lingüística do Conselho da Europa ficam à disposição dos profissionais espanhóis e hispano-americanos do campo da didática de línguas. Deste modo, o Marco de referência se perfila como um instrumento de grande utilidade e de não menos transcendência nos âmbitos profissionais e educativos pertencentes ao campo do ensino de línguas, tanto dentro quanto fora da Europa, e tem repercutido fortemente nas discussões do ensino do espanhol no Brasil, no marco do Instituto Cervantes que o adota como plano curricular, juntamente com a LDB oficial do MEC e os PCNs.
Estes documentos oferecem uma série de opções, com relação a diferentes aspectos metodológicos sobre o papel que os professores, os alunos, o uso de meios audiovisuais e de textos, tarefas e atividades, o desenvolvimento de estratégias e de competências, e o modo de aproximação e correção dos “erros” e as faltas desempenham no ensino e na aprendizagem de línguas. Os autores do Marco de referência asseveram de modo explícito nas Notas para o usuário que a intenção da obra não é de foram alguma preceptiva (MCER:9):

Hay que dejar claro desde el principio que no nos proponemos decir a los profesionales lo que tienen que hacer o de qué forma hacerlo. Nosotros planteamos preguntas, no las contestamos. El Marco de referencia europeo no tienen el cometido de establecer los objetivos que deberían proponerse los usuarios ni los métodos que tendrían que emplear”.

Os PCNs também não têm uma vocação prescritiva, são documentos que se declaram ausentes de dogmas metodológicos e abertos à interpretação e ao emprego de suas descrições para o desenvolvimento de princípios práticos para o ensino, a aprendizagem e a avaliação de línguas, expondo diferentes propostas com a finalidade de provocar o interesse e a preocupação particulares em cada caso. Sem propor uma metodologia, o que se pretende é suscitar a reflexão metodológica. Sendo assim, cabe a cada usuário do documento, em função de seu papel dentro do processo de aprendizagem, ensino e avaliação da língua definir a opção metodológica que mais adequada às suas circunstâncias.
O enfoque adotado nesses documentos se centra, em sentido geral, na ação. Um enfoque orientado para a ação implica diretamente na consideração dos usuários da língua e, por fim, dos alunos como agentes sociais; membros integrantes de uma sociedade que vem envolvidos numa série de atribuições de todo tipo, não exclusivamente lingüísticas, que se situam em entornos específicos e em contextos concretos, e que se encontram determinados por circunstâncias particulares.
Ainda que os atos de comunicação tenham, em muitas ocasiões, um componente lingüístico, estes atos e atividades se situam num contexto social muito mais amplo que lhes confere sentido. Por conseguinte, o enfoque centrado na ação, como nos propõe o Marco de referência, dá uma ênfase muito maior aos recursos cognitivos e emocionais e às múltiplas competências (lingüísticas, sociolingüísticas e pragmáticas) que um indivíduo utiliza como ser social.
O princípio que norteia tanto o Marco Europeu de Referencia quanto os Parâmetros Curiculares Nacionais – para LE no caso, é que o caráter evidentemente social de todo ato de comunicação, lingüística ou não, deve se fazer patente num enfoque acertado do ensino de línguas (Stern, 1983). O aluno que enfrenta o estudo de uma língua tem de saber que é partícipe de um entorno social. Deve ser consciente, também, das relações entre a língua e o contexto social, e da existência de variedades da língua, dialetos, socioletos utilizados por determinadas comunidades de falantes. Além disso, o aluno dever conhecer também as distintas variações no uso da língua relacionadas com diferentes papéis sociais ou com aspectos relacionados com a idade, a familiaridade com o resto dos falantes, etc., e outras questões de caráter pragmático e sociolingüístico que podem ir marcados por determinados elementos gramaticais, léxicos, de pronunciação ou entoação.
De acordo com Vázquez (2008), se considerarmos a norma como os usos lingüísticos caracterizados como traços de prestígio e que representam o correto, há no mundo hispânico 22 normas cultas correspondentes às 22 academias da língua espanhola em cada país dos que têm o espanhol como língua oficial. Se tratarmos a questão neste nível tratamos de definir a norma culta a partir de uma análise lingüística de vários níveis: léxico, morfologia, sintaxe, fonética e fonologia, por exemplo. Para além desse componente de análise lingüística entram as questões de política e ideologia lingüística.
A política lingüística (qual a variante dialetal institucionalmente promovida?) e a ideologia lingüística (qual é a variante dialetal considerada como a melhor ou de mais prestígio?) são, segundo Vázquez (2008) os dois elementos chaves na discussão de que norma lingüística usar em sala de aula, a partir da análise lingüística da variação do espanhol, considerando suas 22 normas cultas nacionais. Cada país tem uma representação de norma culta que é a que oferece como produto lingüístico nos cursos de E/LE, mas o que acontece fora das fronteiras nacionais?
A situação é bastante confusa considerando que há professores nativos e não nativos, ou seja que tem o espanhol como LM ou como LE, além das empresas editoriais que dominam o mercado com seus produtos,dependendo da origem da empresa muda a variante lingüística promovida: nos materiais fabricados nos Estados Unidos prevalece a norma chicana e nos materiais fabricados na Europa à norma castelhana, ou seja é privilegiada a área de México e América Central no primeiro caso e a área de 2/3 da Espanha, norte e centro da península, sob histórica de Castilha no segundo caso, de acordo com a classificação proposta por Moreno Fernandez (2000).
Para Vázquez (2008), não é possível escolher a variante do professor, nas palavras dela: nenhuma pessoa em pleno exercício de suas faculdades e saúde psicológica estável pode adotar uma variante par ensinar que não seja a sua, a não ser que existam problemas de aceitação no trabalho. Problemas estes relacionados à atitude lingüística e neste campo, para a autora, muito teriam pra dizer trabalhos de pesquisa nas instituições de ensino de E/LE que se encontram fora dos limites das fronteiras nacionais, relacionados às atitudes de professores e aprendizes com relação às variantes que utilizam. O que acontece no Brasil com as representações e com o imaginário lingüístico relacionado ao mundo hispânico? Qual o modelo que se pensa que se ensina e qual é o modelo que realmente se ensina? Qual o que deveria ser ensinado?
Em síntese, as forças relevantes ou os agentes no ensino de LE, para Vázquez (2008) são:
a) as políticas lingüísticas nacionais por um lado,
b) os certificados, diplomas e avaliações oficiais, por outro,
c) a formação dos professores,
d) o material editorial e audiovisual disponível
e) as motivações e necessidades do público aprendiz.

O modelo docente é fundamental já que é o input privilegiado, mas não o único já que estão os materiais produzidos com finalidades didáticas ou não, não podemos esquecer o mercado audiovisual e a facilidade de circulação de materiais que entram nos circuitos de distribuição internacional nas salas cinematográficas ou nas mediatecas com a indústria dos dvds.
O mundo editorial e o mundo dos certificados de proficiência são um negócio, geram empregos e divisas e são uma das forças ou agentes que devem ser considerados no momento de reflexão sobre que espanhol ensinar. Para este tipo de negócio lingüístico é lucro considerar o espanhol neutro enquanto categoria factível de seus produtos, se há um espanhol neutro ou pan hispânico o material circula por mercados mais amplos. Há muitos materiais de pronúncia que propõe o espanhol neutro, mas estes materiais não podem cumprir o que prometem porque não há um espanhol neutro, uma vez que não há falantes de espanhol neutro, assim como não há falantes de um espanhol pan hispânico, como pretendem algumas soluções mais recentes de mercado: gramáticas e dicionários incluídos nessa empresa. Para Váquez (2008) o espanhol neutro ou pan-hispânico é uma tendência do mercado... Quanto mais estandar ou neutra a norma do material mais ampliado será o mercado de consumo desse produto... No caso do ensino de Espanhol/LE, para esta autora, a norma pan-hispânica não existe porque não há falantes pan-hispânicos.
No Brasil, prevalecem os materiais produzidos na Espanha, os professores nativos são na maioria oriundos de países da Hispanoamérica nos Departamentos de Língua Estrangeira das Universidades, e de origem espanhol (o que implica normas castelhana, sobretudo, mas também andaluza ou canária) nos centros do Instituto Cervantes. Nesta instituição há talvez uma maioria de professores permanentes que são cidadãos e funcionários do governo espanhol, entretanto não é o caso da maioria dos professores substitutos, com contratos temporários.
E os professores não nativos? Seguem no melhor dos casos uma das normas de sua preferência de acordo com as experiências lingüísticas que tiveram ou uma mistura de tudo, usando indistintamente traços ouvidos ou percebidos sem remissão à origem da variante, com grande risco neste caso de incoerência nas escolhas de traços selecionados, por falta de uma descrição detalhada dos traços característicos de variação que opõem as normas seja dos 22 países aos que se refere Vázquez (2008), seja das 8 macro áreas propostas por Moreno Fernández (2000).
As variantes têm referentes dialetais. Para Vázquez (2008), os materiais devem responder às escolhas que fazem os aprendizes de uma LE, portanto seria aconselhável ter materiais diferenciados para os que pretendem atuar como usuários da língua com fins diversos nas diferentes comunidades de fala, garantir a informação adequada sobre a diversidade do espanhol no nível da percepção não da produção diferente é o caso dos que aprendem espanhol in situ: nesse caso utilizar materiais que não reflitam a variante lcoal seria um desperdício do valioso input do entorno (se esses materiais são raros trata-se mais de uma questão de mercado).
É possível o desenvolvimento de uma percepção ou compreensão pan hispânica, mas não de uma produção. O ideal seria que os aprendizes de espanhol no Brasil estivessem expostos ao maior número de variantes possíveis para fazer sua escolha., nem sempre é o caso. Para os estudantes de Espanhol/LE produzir uma variante significa identificar-se e ser identificado como pertencente a uma certa comunidade lingüística sobre a qual o resto do mundo plasma os seus valores.
A escolha da variante não depende do número de falantes. Falar significa firmar a sua própria identidade, não há língua falada neutra, assim como não há língua escrita neutra o contexto condiciona, restringe e marca a produção lingüística (o gênero textual, o tipo de interação, a finalidade comunicativa, a idade dos sujeitos comunicantes ou o gênero, e claro, a origem geográfica são fatores determinantes das escolhas lingüísticas orais e escritas).
Não é preciso renunciar à variabilidade lingüística do ponto de vista da exposição, seria utópico fazê-lo num contexto de ensino de E/LE fora das fronteiras nacionais, particularmente no contexto social brasileiro. Vázquea (2008) defende expor o aprendiz à variação e deixar a escolha livre de acordo com a sua motivação e as suas necessidades. Todo aprendiz deve escolher o seu modelo de variante, todo aprendiz deve decidir qual é o seu modelo de variante, não há neutro, suas escolhas no nível léxico (autobus, colectivo, guagua, buseta, omnibus, camión), conversacional (vale, ta, huevón, guey, boludo), morfo-sintático (hoy me pasé toda la tarde fumando/hoy me he pasado toda la tarde fumando,), ou a combinação de dois ou mais desses níveis (os quiero um mogollón/los quiero pila), além das questões fonéticas (realização da vibrante, realizações aspiradas de /s/ ou /x/ por exemplo) e questões fonológicas (seseo, yeísmo).
O léxico coloquial (principalmente os nomes próprios e seus adjetivos correspondentes no campo semântico relacionado à comida e aos topônimos), o uso dos tempos verbais, notadamente a alternância dos pretéritos no modo indicativo e subjuntivo), as formas de tratamento (verbais, pronominais e nominais), os marcadores conversacionais, os fenômenos de retomada pronominal como leísmo, laísmo, loísmo versus o uso etimológico ou o apagamento do clítico) são todos fenômenos de variação que não podem ser escondidos, ocultados na busca de um ideal lingüístico didático, não no nível da compreensão. E na produção, é importante assinalar a coerência na combinação desses traços.
Não há neutro, as escolhas são uma questão de identidade ou de alteridade, de pertinência ou adesão a certos grupos sociais ou comunidades de fala (idênticos) ou de exclusão, de não pertinência nem adesão ao outro... nessa questão identitária o sotaque estrangeiro, ou o cuidado com a pronúncia é um fator primordial, não só no nível dos segmentos fônicos mas também na expressão do ritmo e da entoação da LE.

[1] No Marco de referência se estabelecem as bases comuns para a descrição de objetivos e conteúdos para a elaboração de programas de ensino de línguas, assim como os aspectos metodológicos subjacentes pela implementação destes parâmetros. Mediante o estabelecimento de uns critérios objetivos tais como descrever os diferentes níveis de domínio da língua, se procura em último termo que esses níveis se equiparem e, por extensão, se reconheçam as diferentes titulações que possa obter qualquer estudante de língua na Europa.

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